O problema mais difícil do mundo

A ideia de construir máquinas capazes de pensar não é recente. Já aparecia com bastante frequência em obras que começavam a ganhar popularidade nos anos 1920 e que viriam a caracterizar o gênero ficção científica (termo criado por Hugo Gernsback, autor da revista Amazing Stories, lançada em 1926). Mas, retornando ao mundo real e prático, gostaria de agora dedicar nossa atenção a um episódio extraordinário no qual a ideia da máquina pensante não somente foi elaborada mas também colocada em prática.

Num artigo publicado em 1936, o matemático britânico Alan Turing introduziu o conceito de máquina universal (que passaria a se chamar máquina de Turing), que consistia num modelo abstrato de um computador. Era uma descrição puramente teórica baseada em fundamentos como algoritmos, estados, transições e memória, dentre outros.

Alguns anos depois o mundo se encontrava em guerra e os aliados se deparavam com um problema: decifrar os códigos utilizados pelos alemães para transmitir seus comandos táticos militares. As mensagens eram facilmente interceptadas, mas se encontravam codificadas a partir de um complexo algoritmo de criptografia gerado por um dispositivo chamado Enigma. Dado o alto grau de dificuldade do problema, a inteligência britânica decidiu reunir um grupo de expoentes da matemática e criptografia, e dentre eles estava Turing.

A solução invariavelmente passaria pela análise de uma quantidade de combinações incompatível com a capacidade de processamento do cérebro humano (acima da casa dos trilhões), e então Turing decidiu abordar o problema trazendo a máquina universal da teoria para a prática. Utilizando-se de dispositivos eletromecânicos, ele construiu um sistema computacional físico, e ao coloca-lo para funcionar conseguiu decifrar os códigos alemães.

Turing prosseguiu com suas pesquisas. Ele acreditava que as máquinas seriam capazes de pensar e esta crença o levou a propor o que mais tarde seria conhecido como o Teste de Turing. A ideia do teste é simples: um interrogador submete perguntas a um ser humano e a um computador (IA), sem saber quem é quem. Se ele não for capaz de diferencia-los a partir de suas respostas, significa que a inteligência artificial passou no teste de Turing. Hoje nos impressionamos ao interagir com os Watsons, Alexas, Siris e outros algoritmos de IA, mas o fato é que ainda nos dias atuais os cientistas não conseguiram desenvolver uma máquina capaz de passar no teste.

Alan Turing é conhecido como o pai da computação e precursor da Inteligência Artificial e é realmente fascinante a contemporaneidade de seus princípios e conceitos, pois apesar da exponencial evolução da capacidade computacional, eles invariavelmente ainda estão presentes depois de passados mais de oitenta anos. Hoje um dos campos mais críticos e importantes da computação é a segurança da informação (ou cyber security), que visa proteção da propriedade intelectual, da privacidade, da transferência de valores, dentre outros. Tecnologias como o blockchain e hashgraph, que se utilizam de bancos de dados descentralizados e mecanismos de consenso consistem em bons exemplos. Nesse contexto, não poderíamos arriscar dizer que a questão do Enigma não seria hoje um problema de cyber security?

por Paulo André
paulo.andre@culturetechies.com

Seguem duas indicações de filmes sobre o tema:

The Imitation Game (2014), de Morten Tyldum
(https://www.imdb.com/title/tt2084970/?ref_=fn_al_tt_1)
imitation_game

Ex Machina (2014), de Alex Garland
(https://www.imdb.com/title/tt0470752/?ref_=nv_sr_1)
ex_machina

2 comentários sobre “O problema mais difícil do mundo

  1. Interessante, PA!
    Nunca havia parado para pensar no Turing como um “hacker”… 🙂
    Ainda hoje, me lembro da primeira vez que vi Blade Runner e, ainda bem novinha, fiquei apavorada com a possibilidade das maquinas terem inteligencia propria… anos depois, sob outra perspectiva, veio O Homem Bicentenario, me encantando…
    estamos chegando la, né?
    Excelentes reflexões! 👏🏻👏🏻👏🏻

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